Para comemorar seus vinte anos, a Production I.G. optou por algo ousado - e o resultado foi Ghost Hound, anime no estilo surreal. Os padrões foram descartados, o enredo é irregular e a série ficou parecendo uma concentração de elementos bizarros, mas reunidos com maestria o suficiente para tornar Ghost Hound inesquecível - afinal, foi criado por Shirow Masamune (Ghost in the Shell), que idealizou a série em 1987; o script ficou a cargo de Chiaki Konaka (Lain, Tehxnolyze) e a direção, de Ryutaro Nakamura (Kino no Tabi, Lain).
A trama se passa na humilde e isolada cidade de Suiten. Tarou Komori sofre de narcolepsia (condição neurológica cujo principal sintoma é a sonolência diurna excessiva) - e, ao cair no sono, freqüentemente passa por experiências extracorporais (resumidamente, a consciência separa-se do corpo). Esse seu estado foi disparado quando, aos três anos de idade, Tarou foi seqüestrado junto com sua irmã - e foi o único a sobreviver.
Temos também Makoto Oogami, um garoto calado e pavio curto cuja família possui uma estranha seita religiosa; e Masayuki Nakajima, que se mudou de Tóquio para Suiten e tem pavor de alturas. Como eles também passam a ter experiências extracorporais e parecem estar relacionados, de alguma forma, ao seqüestro de Tarou, os três acabam tornando-se amigos. Daí em diante, eles começam a explorar Suiten em suas experiências extracorporais. Logo descobrem que são capazes de ver e fazer coisas que, no mundo palpável, são invisíveis ou impossíveis.
Os três garotos, em suas viagens pelo Kakuriyo - o mundo invisível ou impalpável - começam a questionar a crescente comoção entre as criaturas de lá e a forma como isso pode afetar Suiten. Somando-se isso às investigações sobre o seqüestro de Tarou e sua irmã, ao estranho laboratório de pesquisa que se instala na cidade e aos vários personagens suspeitos, é formado o mistério de Ghost Hound.
Por mais que essa seja a premissa da série, o desenvolvimento do enredo é lento e serve apenas de pano de fundo. O principal da série está no LSD... erm, nos acontecimentos sobrenaturais em Suiten, tudo explicado por fatos e teorias da neurologia. Ou seja, é uma viagem doidona, que lembra Lain (o que era de se esperar, considerando os nomes envolvidos na produção) e Boogiepop Phantom, mas tudo com base científica e fazendo sentido... Sim, soa estranho. Mas Ghost Hound é estranho, deliciosamente estranho. ^__^
Bem, vamos aos aspectos técnicos. A animação de GH é boa, acima da média das produções de hoje, mas não se destaca muito. Ela é usada de forma engenhosa na construção das cenas surreais e/ou de terror (predominantemente psicológico, com praticamente nada de "gore") e é capaz de causar tensão e prender o espectador - porém, a maior responsável por isso é a trilha sonora, e não o visual. GH conta com Poltergeist, uma abertura fantástica em ritmo de jazz, e o encerramento Call My Name, que não é tão notável mas não deixa de ser muito bom. As músicas de fundo... Ah, não há música de fundo! Ghost Hound aposta em um mix de sons, de batidas simples, repetições de notas em um único instrumento, e o resultado não poderia ser melhor. A atmosfera de GH se deve quase completamente aos sons, que criam ambientes envolventes e, em alguns momentos, aterrorizantes.
Algo que também merece destaque é a forma com que o anime aborda os aspectos mais interessantes da neurologia, um prato cheio àqueles fascinados pelos mistérios do cérebro humano. Dois personagens em especial - Hirata e Otori, ambos pesquisadores, neurologistas e psiquiatras - dão verdadeiras aulas sobre o assunto, ao explicar acontecimentos em Suiten ou comportamentos de personagens. Pode parecer chato, mas até quem não é entusiasta do assunto vai achar interessantíssimo. É bem semelhante ao que o anime Noein fez com a física quântica.
Ah, sim, há defeitos... Em alguns episódios, a qualidade da animação cai bastante, criando uma nítida diferença entre o resto da série. Alguns poucos episódios (apenas um ou dois, ainda bem) também desandaram em relação ao roteiro que, ao invés de ser brilhante, foi só razoável. Mas o que impede mesmo que Ghost Hound seja uma obra-prima é o fim da série. Para a total surpresa dos espectadores, tudo termina com uma conclusão comum e banal que parece ter vindo de um anime shounen de segunda categoria.
Apesar dos defeitos, a genialidade da série torna Ghost Hound digno de comemorar os vinte anos de um excelente estúdio como a Production I.G. Uma obra única, original e criativa, que irá agradar a qualquer um disposto a assistir a algo diferente.
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