Após o estrondoso sucesso de Akira (1988), obra que abriu definitivamente as portas do Ocidente para a animação japonesa, houve muita especulação sobre qual seria o próximo passo de seu visionário criador, Katsuhiro Otomo. Após uma longa espera, chega ao mercado, no ano de 1996, o impressionante Memories. Produzido por Otomo, Memories é um longa-metragem composto por 3 histórias independentes e de estilos distintos, cada qual dirigida por uma pessoa diferente.
MAGNETIC ROSE
A tripulação da nave Corona viaja pelo espaço sideral, coletando o lixo espalhado no vácuo, na esperança de encontrar algum tesouro perdido. Numa destas viagens, eles recebem um SOS na forma da ópera "Madame Butterfly", de Puccini, e descobrem que a origem deste SOS vem do interior de um estranho veículo abandonado no espaço, com um campo magnético fortíssimo ao seu redor. Dois tripulantes da Corona, Heinz Beckner e Miguel Costriela, recebem a incumbência de verificar o que está acontecendo dentro deste veículo e descobrir a verdadeira razão por trás deste enigmático SOS. Heinz, de comportamento tipicamente germânico, e Miguel, com aquele jeitão despojado bem caraterístico dos povos latinos, mal poderiam imaginar os efeitos devastadores que aquele campo magnético poderia causar em suas mentes...
Antes de comentar sobre a história em si, é preciso dizer que Magnetic Rose é um dos animes mais impressionantes já criados, no tocante aos aspectos técnicos. A mistura de computação gráfica com animação tradicional é feita de forma brilhante, os desenhos mecânico e de personagens são uma festa para os olhos, a trilha sonora é excelente... perfeição absoluta! Se a história não fosse interessante, Magnetic Rose já valeria apenas pelo visual...
Felizmente, este não é o caso. A história de Magnetic Rose é realmente complexa, com uma mistura de realidade e alucinação que pode confundir bastante a cabeça daqueles acostumados a histórias contadas no formato tradicional. Ainda assim, mesmo não sendo recomendado para todas as pessoas, não dá para negar que Magnetic Rose é uma obra-prima impecável. Disparado, o melhor episódio de Memories.
(Direção de Koji Morimoto)
STINK BOMB
Nobue Tanaka é um funcionário do laboratório farmacêutico Nishibashi que vive na pacata e monótona cidade de Yamanashi. Tanaka-san não está em um de seus melhores momentos: sem namorada, com uma gripe terrível e um nariz que não pára de pingar, é difícil imaginar que as coisas possam ficar ainda piores na vida de nosso pobre protagonista. Nada que umas pílulas erradas tomadas na hora errada não possam remediar! ^_^
Stink Bomb é o extremo oposto de Magnetic Rose: uma paródia engraçadíssima e repleta de situações absurdas, que detona sem dó nem piedade os papos pseudo-intelectuais de cientistas e militares, frente a uma situação apocalíptica. Stink Bomb aproveita para dar umas pancadas na reputação de bondade e altruísmo freqüentemente atribuída aos Estados Unidos... aqui, o Exército americano é retratado como um grupo de militares interessados apenas em armas e dinheiro, e que estão se lixando para o que possa acontecer com os civis japoneses.
Apesar de não ser dirigido por Katsuhiro Otomo, Stink Bomb é o episódio que, visualmente, mais se aproxima do estilo do criador de Akira. Com uma animação simplesmente fantástica e uma trilha sonora animada e cômica, Stink Bomb consegue ser crítico e bem humorado ao mesmo tempo. Não é revolucionário, não é perfeito, mas é delicioso de se assistir!
(Direção de Tensai Okamura)
CANNON FODDER
A vida nesta sociedade opressiva e industrializada gira em torno dos canhões que dominam a paisagem. A população limita-se a fazer as mesmas tarefas monótonas e repetitivas, todo santo dia, apenas para garantir a manutenção e funcionamento perfeito destes canhões. Neste ambiente repleto de pessoas com espíritos semi-mortos e que vivem na inércia, a esperança sobrevive na cabeça de um visionário garoto que sonha em se tornar, um dia, o mestre do grande canhão, cargo de maior honra nesta estranha sociedade.
Cannon Fodder é um anime com um estilo único e repleto de contrastes. Mesmo utilizando um visual mais seco e econômico, possui uma animação rica e impressionante. Seus personagens possuem traços estranhos e pouco marcantes, o que destaca ainda mais seus olhos tristes e expressivos e aumenta a sensação de desespero e perda da invidualidade destas pessoas. Contrastes e mais contrastes...
O toque de gênio de Katsuhiro Otomo se faz presente nos mais sutis detalhes. Para criar o clima de opressão e totalitarismo, Otomo se inspirou no visual de Metropolis, clássico do Expressionismo Alemão dirigido por Fritz Lang em 1927. Para completar o cenário, nada melhor do que referências a instituições e personagens da época do Nazismo, a mais odiosa doutrina política da História. As letras gêmeas SS, semelhantes a dois raios rúnicos, são óbvias alusões às Schutzstaffeln (Guardas de Proteção) nazistas. O mestre do grande canhão, figura ridícula e injustamente venerada, é claramente inspirado no obeso Marechal Hermann Göring, uma das mais poderosas figuras do regime nazista de Adolf Hitler.
Cannon Fodder é o mais rico dos três episódios de Memories, em relação à linha de pensamento e estilo narrativo. Não chega ao nível de perfeição de Magnetic Rose, se compararmos os dois episódios na totalidade, mas é uma obra excepcional, que fecha Memories com chave de ouro.
(Direção de Katsuhiro Otomo)
Memories é uma obra de arte! Não dá para entender a razão pela qual nenhuma empresa ocidental teve interesse em distribuir este anime pelas bandas de cá. Um dos melhores animes adultos já produzidos. Imperdível!
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